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Escola de Parnaíba aposta em educação financeira infantil para reduzir desigualdade

Alunos a partir de três anos demonstram habilidade com finanças e sociabilidade

 
 
Alunos da ENI aprendem desde cedo a lidar com dinheiro e ganhos (Fotos: divulgação)

 Alunos da ENI aprendem desde cedo a lidar com dinheiro e ganhos (Fotos: divulgação)

 
 

São duas horas da tarde quando crianças entre 3 e 14 anos de idade começam a entrar nos portões coloridos da Escola de Empreendedorismo, Negócios e Inovação (ENI), a primeira escola infantil do Piauí voltada ao segmento. Todos parecem ansiosos para mais um dia de aula. No primeiro momento, o ambiente é familiar a qualquer outra escola, isso até os estudantes começarem a receber “moedas especiais”.

Chamadas de enis, as cédulas fazem parte de um sistema de recompensa adotado pela instituição que gratifica as boas práticas estudantis. As moedas são trocadas pelas crianças por presentes disponíveis na loja do colégio. As compensações acontecem por atividades simples, como a realização de tarefas escolares, cumprimento a professores e colegas ou até mesmo pela organização do ambiente.

As remunerações variam de acordo com a idade e ações desempenhadas. Para ter acesso aos brindes, os alunos precisam juntar quantidades equivalentes a cada produto, o que pode levar semanas. A metodologia propõe estimular o senso crítico e a responsabilidade financeira de crianças e adolescentes, e segue princípios da administração e educação socioemocional.

 

Metodologia lúdica estimula a responsabilidade financeira de crianças

 

Inaugurada em março deste ano na cidade de Parnaíba, a escola conta hoje com 96 alunos. De acordo com a fundadora, pedagoga e doutora em administração Celina Olivindo, a ideia surgiu a partir de queixas de alunos universitários que constantemente citavam a importância de aprender sobre empreendedorismo na juventude “É por isso que a mesma ferramenta que um administrador usa é a que aplicamos, só que nós fazemos de maneira lúdica”, explica Celina. 

A gestora acredita que para diminuir desigualdades econômicas, profissionais e sociais é preciso democratizar o ensino empreendedor. “Se fala bastante de empreendedorismo como um meio apenas para quem tem negócios ou muito dinheiro, o que está errado, já que empreender deve ser uma oportunidade pra todos”. Ela reforça que o propósito da ENI é possibilitar a mobilidade social, escolha e liberdade financeira, algo que, para a gestora, pode ser alcançado com uma fundamentação administrativa.

A fundadora e diretora da ENI, Celina Olivindo

 

Má gestão de recursos é causa de fechamento de empresas

O último relatório do Mapa de Empresas, ferramenta do Governo Federal que fornece indicadores quadrimestrais das empresas registradas no país, mostra que 15.343 empresas do Piauí fecharam as portas no último ano e, quando comparada ao número de empreendimentos abertos (29.009) superaram o saldo das empresas abertas - 13.666.

As maiores vítimas desses fechamentos são as micro e pequenas empresas. Apesar de atualmente representam 98,3% das 21 milhões de empresas ativas no país, são elas também as que mais decretam falência.


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A pesquisa Sobrevivência de Empresas, desenvolvida pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) entre 2018 e 2021, revela que as microempresas individuais (MEIs) têm a maior taxa de mortalidade entre os negócios em cinco anos: 29% em média, encerram as atividades após esse período.

A presidente da Federação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Estado do Piauí (Femicro/PI), Rita Maria Nascimento, analisa que os dados refletem um problema estrutural, que é a dificuldade em gerir recursos. Um fator que será superado com os investimentos em educação financeira. “A nova geração vai ter uma visão mais crítica e facilitada. Hoje os empreendedores aprendem ‘apanhando’ na prática diária, mas com esse conhecimento apreendido na infância o jogo muda”, diz.

Rita explica ainda que a falta de capital de giro, principal motivo de falência entre os empreendimentos no Piauí, é uma consequência da má gestão.

Rita Nascimento, da Femicro, acredita que novas gerações saberão terão melhor educação financeira

 

No âmbito das políticas públicas, a educação financeira têm obtido avanços através da legislação. Como a Lei nº 8.171, que institui a Política Estadual de Incentivo ao Empreendedorismo, ao Desenvolvimento Industrial e às Novas Tecnologias, sancionada pelo governador Rafael Fonteles, que objetiva fomentar e capacitar jovens para o desenvolvimento de novas tecnologias e a criação de polos industriais regionalizados.

A ausência de conhecimento sobre juros, controle de gastos e o consumo desenfreado são, para especialistas, as principais causas de endividamento no país. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em setembro de 2023 77,4% das famílias brasileiras se declararam endividadas. Já o número de inadimplentes era de 30,2%.

Alunos tendem a ser adultos racionais em relação às finanças

 

Para contornar essa situação, especialistas baseiam-se na neurociência e na alta capacidade de absorção de conhecimento da infância e adolescência para o ensino financeiro.  A professora da ENI e contadora Jamille Sousa acredita que no futuro seus alunos serão responsáveis e racionais em relação às finanças.  Ela descreve como isso é estimulado no dia a dia “Durante a aula trazemos problemas e jogos relacionados a questões financeiras para eles resolverem. Tudo isso coopera para o desenvolvimento consciente de cada um”, relaciona a profissional.

A resolução de problemas através da criatividade e lógica tem possibilitado também a melhoria em notas e disciplinas como matemática. A professora comenta a importância do envolvimento da família no processo e exemplifica: “Temos dois alunos que também são irmãos, Ceris e Arthur, que fizeram um acordo com os responsáveis para reverter a mesma quantidade de cédulas enis em cédulas reais”. Os alunos concordaram em guardam os valores durante o ano. A professora afirma que a última vez que contou o valor, Ceris e Arthur tinham cerca de R$ 275,00. “Isso incentivou outros alunos”, finaliza a educadora, que reforça que os ensinamentos ultrapassam os muros da escola.

E foi pensando no desenvolvimento da sociabilidade que o supervisor de vendas e pai da pequena Davina, de 3 anos, decidiu colocar a filha na escola. Formado em administração, o responsável lembra que Davina era bastante dependente e não conseguia ficar sozinha. Buscando estimular a liderança e desenvoltura da criança, ele decidiu apostar no método de ensino da escola. “Sabemos que isso é um ponto fundamental para vida e mercado de trabalho e hoje ela se sente segura e ama estar na escola e com outras crianças”, conta o pai. 

Davina aprendeu a juntar os "enis" para comprar seus brinquedos

 

Davina também tem juntado seus recursos para comprar brinquedos. A sua última aquisição na escola foi uma boneca que levou 15 dias para conquistar, e hoje ela planeja comprar seu bolo de aniversário com o dinheiro que guarda em seu cofre.

O método da escola está em aceleração pelo projeto Startup Piauí, da Investe Piauí, órgão do Governo do Piauí que atua para atrair investimentos ao Piauí e incentivar práticas inovadoras. Espera-se que no próximo ano livros e capacitações sejam expandidos pelo país. Sobre a oferta de novas vagas na instituição, Celina Olivindo, reforça que o número permanecerá o mesmo por enquanto, para garantir a qualidade do aprendizado.

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